sábado, 9 de março de 2019

REFLEXÃO: Modernidade Líquida => Prefácio + Cap. 3 Tempo/Espaço


Livro de: Zygmunt Bauman


Bens duráveis, relações duráveis, realidades duráveis são nos dias de hoje antagônicos ao sentido de prazer, alegria, gozo, felicidade e satisfação. É intolerável aos olhos da sociedade atual a ideia de ter que passar anos, ou quem sabe uma vida com um bem, ou mantendo uma relação afetiva, assim como, viver em uma sociedade sem altos índices de mudanças.

Esperar é sinônimo de tristeza e desprezo, viver o tédio natural da vida é ser ultrapassado, pois “tempo é dinheiro” segundo declarou Isaac Newton. O ócio não pode mais ser criativo, pois o ócio é maçante, sem graça, é uma característica padrão de pessoas ultrapassadas.

Não sabem os mais “adiantadozinhos” que o tédio natural da vida é a base da reflexão e é da reflexão que em grande parte emanam os pensamentos que moveram o mundo no âmbito da ciência, filosofia e da tecnologia. O ócio ainda pode ser criativo, mas se faz necessário ter abertura, abrir a mente, dar-se tempo e sentir a vida em suas mais sublimes facetas impressas nas cenas que vão passando e nos singelos traços refletidos pela natureza.

Sem significado racional a vida não permanece engajada, corremos soltos e individualizados em busca de sermos maiores para parecermos melhores, mas o fim de tudo isso é frustração.

Observe o mundo real, um dia tudo foi muito mais pesado e enraizado, hoje o que um dia foi pesado e fixo, passou a ser leve e móvel, ou seja, o progresso passa pela capacidade de se abrir as novas possibilidades sem necessariamente abandonar os princípios e essências, talvez modifiquemos os formatos, as substancias, mas o que caracteriza valor, não.

É importante identificar os caminhos naturais em que a vida vai se projetando, a tecnologia avança, as formas, as cores, e até mesmo a natureza evoluem, e penso ser interessante que a mentalidade e a forma de se fazer negócios, de empreender e de relacionar-se também evoluam e acompanhem tudo isso, no entanto é preciso ter sensibilidade, é preciso lançar-se ao futuro sem desprezar a leis naturais e lógicas que regem a história. Adaptar-se, moldar-se não são sinônimos de desprezo ao caminho que até aqui nos trouxe, muito pelo contrário, o diálogo entre estes pares talvez seja o ponto de equilíbrio.

Considerando que estamos vivendo na era da instantaneidade, onde tudo precisa e deve ser rápido, imediato, etc., onde a constante inovação substitui tudo e a todos como um rolo compressor, como fica o pensar a longo prazo? Quais ingredientes não podem faltar em uma proposta de projeto de vida pessoal, social ou organizacional?

Nunca a falta de domínio próprio ao ser humano fez tantos estragos quanto na atual era da humanidade; grandes são os níveis de ansiedade que assolam as pessoas, esta que talvez seja uma das ou a doença do século tem feito muitas vítimas em todas as escalas de idade, ela não perdoa crianças nem idosos, não respeita classe nem muito menos gênero. Um dos efeitos avassaladores quando estamos sobre o controle da ansiedade é a ideia de que tudo conspira contra nós, seja a vida natural ou as pessoas, inclusive dentro de nosso próprio convívio familiar, religioso, profissional e etc. A infelicidade, as frustações e as derrotas nunca foram antes tão fundamentadas nos porões da ansiedade. Enfim, se algo está dando errado ou já não saiu como planejado, a culpa é alheia, não de minha.

O mundo está desgovernado, os índices de violência são assustadores, as autoridades militares que foram instituídas para nos proteger tornaram-se o próprio crime; o que se houve corriqueiramente é que o Estado precisa colocar mais policiamento, punir com mais rigor o crime, construir mais presídios, impor pena de morte por crimes graves cometidos, é a famosa política do medo. Será mesmo esta a solução, não haveria um outro caminho menos custoso ao Estado e a sociedade como um todo.

Civilidade é o ideal humano para os que vivem em sociedade, sabemos que o preço é alto a se pagar para se alcançar plenitude civil, mas temos plena consciência que ainda é o caminho mais seguro, mais curto e mais eficaz para combater os desajustes sociais enfrentados pela comunidade global em maior escala nas periferias mundiais. É a única forma de proteção que não distancia as pessoas umas das outras; ainda que sejamos acusados de não sermos nós mesmos quando agimos civilizadamente, penso que seja a melhor maneira de se conviver harmonicamente, pois despir-se dos meus maus hábitos em favor do bem-estar comum é como utilizar uma máscara que possa esconder a minha real condição, mas se é por uma boa causa penso fazer sentido e ser válido.

Os espaços públicos possuem um papel preponderante na homogeneização da sociedade, é neste espaço que as individualidades são postas a prova e é neste momento que as políticas públicas que dão equilíbrio as relações e garantem o direito universal de ir e vir que fazem grande diferença. Sabemos que a coletividade tem um preço, se faz necessário abrir mão de algo que talvez seja importante ou até mesmo inegociável para alguns, no entanto notem que quando é dividimos estamos multiplicando, outros usufruem semelhantemente a nós, já quando não cedemos ou abrimos mão do nosso status quo, limitamos o benefício e o desenvolvimento harmônico da comunidade.

Gostaria de chamar a atenção para um aspecto muito sensível da atual era que vivemos ainda no contexto dos espaços públicos, estou falando dos espaços construídos ou estabelecidos socialmente como lugares de compras, consumo, lugares aonde se exerce uma falsa liberdade. As mentes consumistas encontram nestes espaços o seu deleite, em outros casos se derrama toda uma semana, mês, ano ou vida de frustrações quando pelo simples ato de consumir se garante um falso sentimento de libertação e realização. Para alguns há conforto pelo simples fato de sentissem aceitos em uma comunidade ou grupo por ter exercido o direito de comprar o objeto tão desejado que serve de símbolo de pertencimento a tais grupos.

De toda forma, fica o grande dilema das relações, a todo tempo somos desafiados a optar por nos relacionarmos uns com os outros abraçando-nos, respeitando-nos e juntos nos movendo ou nos omitindo física e emocionalmente da realidade alheia. E o ambiente aonde tudo isso ocorre é o ambiente público, aonde o viver urbano ocorre em suas diversas formas. Não é muito difícil hoje em dia estar em lugares sem ser notado, ao mesmo tempo que também não é impossível não notar as pessoas ou a realidade, vale o esforço para tornar as experiências autenticas quando prestamos sentido a cada momento independente do lugar.

A coisa mais comum nos grandes centros hoje em dia é desenvolver um mapa mental limitado ao roteiro de uma vida cotidiana, isso pode desenvolver um comportamento indiferente na sociedade em geral, tanto aos que vivem em ambientes mais desenvolvidos, assim como, os que vivem em ambientes mais precários de infraestrutura. A palavra que gostaria de utilizar neste contexto é “esforço”, todos devem esforçar-se na direção de ampliar os horizontes de convivência, tudo é válido, praticar assistência social, atividades religiosas, educativas, dentre outras, quando se trata de criar vínculos e encurtar distancias física e emocional. Não somos estrangeiros, somos cidadãos de um país global, de uma aldeia.

Não existe um mundo perfeito, aonde tudo funciona de forma harmônica e sincronicamente perfeito, as relações são entre pessoas e não entre coisas, logo é mais do que natural que haja divergências ideológicas e multiplicidade de comportamento. A modernidade nos desafia a todo tempo, a sermos seres coletivos, diferentes nas ideias, mas homogêneos nas decisões. Estamos construindo uma história que servirá de referência para as gerações futuras e a cada tempo perdido com decisões individualistas que mais nos separa do que nos une, mais tempo perderá a geração futura para construir uma história de progresso linear.

Quando se trata de seres humanos, vale a pena gastar tempo, vale a pena tocar a alma e sentir a essência da vida, é preciso abdicar das ideias mercadológicas quando o assunto é gente. A maior conquista na era da informação talvez seja a quantidade de diferença que iremos fazer na vida das pessoas e não os territórios que iremos “conquistar”. Quando se trata da vida humana, nada é perca de tempo, cada minuto investido no exercício da cidadania é um fator determinante na melhoria da trajetória da sociedade.

A época em que quantidade de bens e conquistas territoriais eram sinônimos de grandeza e superioridade ficou para trás, como disse, o mundo é um país, a multinacionais não encontram mais fronteiras, o capital transita livre e olhar apenas para o próprio umbigo hoje é projetar um futuro trágico sócio economicamente, o mundo está assim, a realidade é essa, vivemos na era do “face to face”.

Um comentário:

  1. Olá Glauber,
    quero tensionar uma expressão tua: "as relações são entre pessoas e não entre coisas". Vivemos em um mundo em que as coisas também se relacionam, entre elas e com as pessoas - são os algoritmos que estão condicionando nossas formas de ação e de pensamento. Hoje se fala em web 3.0 (internet semântica), internet das coisas, teoria ator-rede, justamente para compreendermos que tudo faz parte de um complexo sistema interativo, que moldamos e nos molda como sociedade.

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