Fonte: Ciberespaço e Tecnologias Móveis. Processos de Territorialização e Desterritorialização na Cibercultura - André Lemos
A reflexão que faço sobre o texto
gira em torno da excessiva racionalização do homem na busca do controle sobre
as movimentações sociais da humanidade. Seja desterritorializando ou
reterritorializando; fica evidente a presença intrínseca e em alguns casos
explicita da ação do homem em controlar os espaços habitados pelo seu
semelhante, seja ele físico ou o ciberespaço da cultura digital. A globalização
tem imposto a vida humana um processo natural de migração para os ciberespaços como
forma de vida e engajamento, seja social, profissional, acadêmica etc. A
pergunta a se fazer é o quanto é necessário e quais os limites desse processo
de territorialização, assim como, quais os interesses por trás desta pressão
social para se colocar na rede.
Tudo é muito sutil, os mais
diversos dispositivos digitais com os quais dividimos o nosso dia a dia, ou até
mesmo os utilizamos para conduzir a nossa vida são também instrumentos de
mapeamento do nosso perfil social quando registram nossas buscas por algo a ser
consumido, ou nos auxiliam em nossos deslocamentos e interações diversas. O
autor se refere a este processo como “marcas eletrônicas deixadas na rede”, as
quais servirão de base para algo ou alguém em algum lugar seja perto de nós ou
a milhares de quilômetros daqui.
Não importa aonde estejamos, seja
aqui ou em outro continente, como adeptos da cultura digital, se estivermos
dentro do ciberespaço será sempre possível controlar-nos. Neste contexto, os
dispositivos digitais ao mesmo tempo que servem como instrumentos que nos
auxiliam a superar as barreiras geográficas, as cidades e as fronteiras, logo
um instrumento de reterritorialização, passa a ser um elemento chave de
controle social.
O ciberespaço tem a capacidade de
ao mesmo tempo em que desterritorializa, consegue reterioalizar, e isso vale
para os níveis político, econômico, social, cultural e subjetivo. A questão que
levanto é justamente os efeitos engendrados desse processo na realidade social
existente. A minha grande preocupação passa pela concepção que possuo a
respeito da cultural digital ser na maioria das vezes sem limites, a impressão que
tenho é que os ciberespaços não levam em consideração os valores pré-existentes
no contexto político, econômico, social e cultural e, com isso tende a
proporcionar percas irreparáveis na medida em que exerce sua influência.
Tenho consciência da natural
pré-disposição do homem em movimentar-se para conquistar e estabelecer-se
frente a realidade de que lhe é imposta, mas me preocupo se este está em
condições de assumir o controle de todo o processo de desterritorialização e
reterritorialização de forma autônoma, veja, T. Hobbes em sua obra clássica “O
Leviatã” afirma em outras palavras que “o grande problema da humanidade surge
quando o homem resolve pregar uma estaca de madeira ao solo, demarcando um
espaço e declarar que a partir de então aquele ambiente era de sua propriedade”;
desta forma sou levado a pensar nos desdobramentos propostos pela cultura
digital por meio dos ciberespaços.
No verão de 2017, estive em duas
cidades espanholas com vistas a conhecer um pouco mais da cultura daquele país.
Algo curioso me aconteceu na cidade de Barcelona ao sair de uma determinada
estação de metrô e me deparar com dezenas de imigrantes, cidadãos africanos,
aparentemente falando o mesmo idioma/dialeto, vestidos basicamente de forma
igualitária, cada um possuindo uma espécie de lençol branco que estava dobrado
de uma forma particular de maneira tal que ganhava um formato de bolsa ou
sacolão aonde eles carregavam ali dentro uma série produtos de diversas características;
todos estavam juntos na saída desta estação, sentados a sobra em um dia
escaldante, de “forte sol”, cantavam e pareciam se comunicar de forma assertiva
naquilo que parecia um dialeto peculiar da sua região de origem. Aquela
situação me chamou a atenção, sentei-me a uma certa distância e passei a
observa-los, logo percebi que eram africanos do norte do continente por causa
de algumas bandeiras típicas que carregavam consigo dos países norte-africanos,
notei também que praticamente todos carregavam consigo um smartphone, e vez ou
outra se alto registravam como que se estivessem fazendo um self ou até mesmo
comunicando-se com sua familia, amigos ou país de origem ou com pessoas de qualquer
outra parte do mundo. O que ficou evidente para mim foi que não se tratavam de
turistas, pois haviam policiais que os cercavam a todo tempo e a cada movimento
individual ou em grupo, estes recebiam “atenção” daquelas autoridades
militares, enfim, eram imigrantes que estavam fisicamente e no ciberespaço em
meio a tensões sociais procurando a luz da cultura digital, desterritorializar
e territorializar.
Bom, precisei seguir meu caminho e
alguns dias depois me desloquei até a capital espanhola (Madri), e no percurso
que fiz de trem, tomei um periódico para ler e fui surpreendido com uma
entrevista de um líder africano de um determinado movimento de apoio a
imigrantes africanos, que não só apoiava este movimento, mas combatia toda e
qualquer violência física e ou emocional causada pelos países da união europeia
aos que estavam segundo palavras deste líder, “apenas tentando recuperar(ou
talvez reterritorializar-se no contexto da cultural digital) de forma pacifica
a riqueza que um dia os europeus de forma brutal lhes saquearam”. Aquelas
palavras me chamaram bastante a atenção e fiquei refletindo sobre os reais
interesses por trás da cultural digital ao promover todo este movimento de
emancipação do homem no âmbito dos ciberespaços. Aquilo que um dia foi primariamente
por meio de navios no contexto do continente Africano e da Europa, hoje ganha
mais um possível aliado por meio dos ciberespaços.
Bem, chegando em Madri, resolvi
tirar um dia para caminhar pelo centro histórico da cidade, e em um determinado
momento ouvi uns gritos e uma pequena correria me despertou, procurei um lugar
“seguro”, pois se tratava de uma variável não muito comum para os padrões
daquela cidade, mas ao mesmo tempo me pus a observar o que estava acontecendo,
percebi que se tratava de dois policiais que enquadrara um imigrante africano
acusando-o de furto, a multidão observava a cena e passados alguns poucos
minutos logo se dispersara, tomei meu caminho e desci uma avenida no sentido do
“Museo Del Prado”, ao qual pretendia visitar naquela tarde, foi quando me
deparei com alguns destes imigrantes com suas mercadorias estendidas em cima de
um lençol branco em frente a uma estação de metrô e resolvi me dirigir até um
deles, foi quando percebi que vendia camisa de times de futebol, comprei uma
camisa do Barcelona(clube tradicional da Espanha), e aproveitei para construí
um diálogo a partir daquele momento; perguntei coisas do dia a dia, tais como,
sobre a familia, futebol, amigos, comida, e finalmente sobre seu país de origem,
cidade/aldeia ou tribo de origem; notei que a todo tempo o jovem com o qual
desenvolvi um diálogo comunicava-se com outros que ali estavam a poucos metros
e espalhados por toda a avenida por meio do smartphone, creio que utilizando a
mídia social Whatsapp ou uma outra similar, e percebi que esta atitude era uma espécie
de estratégia de proteção aonde eles avisavam uns aos outros a respeito de tudo
o que ocorria no raio de presença deles de forma que parecia uma forma de
“controlar” a situação e assim nada de ruim pudesse lhes acontecer; logo tive a
sensação que o que ocorrera antes no início dessa avenida, talvez tenha
acontecido por conta que aquele imigrante se separara do grupo ou quem sabe se
descuidara se deixando levar pelo desejo de algo que não lhe pertencia a ponto
de tentar se apropriar de forma indevida, conforme anunciara em alta voz os
policiais naquele momento.
Dentre
as muitas lições que tiro desta experiência, uma das que mais me choca é que
perdemos a capacidade de convivência coletivamente, de amar, de respeitar, de
valorizar a vida humana. Para mim, sempre fomos uma aldeia global, um mesmo
povo, apenas estávamos separados fisicamente por consequência da pré-disposição
de conquista quando resolvemos “ganhar o mundo” transpondo os limites da terra,
em busca de novas aventuras tendo como pano de fundo o desejo pela conquista,
pelo que é novo. Com o advento da globalização (particularmente penso que em
grande parte decorrente do progresso intelectual do ser humano), a qual
considero como o processo de reagrupamento natural decorrente daquilo que um
dia foi homogêneo mentalmente e fisicamente, simplesmente desconsideramos tudo
e passamos a nos enxergar como opositores territorialmente e ideologicamente,
logo também socialmente. A nossa pré-disposição em conquistar o ainda não
conquistado ganha novos ingredientes, ou seja, já que nos encontramos novamente
como povo, prevalece o meu pensamento, as minhas ideias, as minhas vontades, a
minha forma de vestir, a minha cor, a minha cultura, os meus modos, enfim, se
não forma da forma como eu penso, não podemos conviver pacificamente, logo “é
melhor que o outro não exista”; se a realidade não for pautada pela minha
cultura, minha política, minha economia, meus costumes, meus produtos, não
haverá harmonia. De outra forma, não haverá ordem mundial na grande aldeia
mundial gerada pela globalização, seja no território físico tal qual
conhecemos, seja nos ciberespaços.

