Fonte: FOLLAIN, Vera. Narrativa e temporalidade na cultura midiática. Tríade, Sorocaba, SP, v. 5, n. 9, p. 128-139, jun. 2017.
Quando criança, lembro de que
gostava de ouvir histórias de todos os tipos narradas pelo meu avô e pelo meu
irmão mais velho. Recordo-me que sempre tive uma pré-disposição para o ouvir,
até hoje percebo que muito me satisfaz ouvir o que as pessoas têm a dizer, independente
do que seja, percebo que é como um dom natural que recebi da Deus. A minha imaginação
fluía e flui com as histórias narradas; costumava viajar além-mar, cruzar
fronteiras, me imaginar em lugares distintos, criar imagens de pessoas,
animais, lugares e objetos com muita facilidade e agilidade.
Algumas histórias me marcaram nesta
aventura da imaginação proporcionada pelas narrativas do meu avô Manuel Araujo (falecido
em 2017, aos 92 anos) e do meu irmão Nadson Cassiano (irmão mais velho). Sou um
cidadão de origem humilde, simples, um homem do campo, toda minha familia veio
do campo, tanto meu avô, assim como, meu irmão mais velho tiveram a
oportunidade de visitar a “cidade grande”, por necessidades médicas e pessoais
de ordem profissional; sempre quando possível ambos gostavam de me narrar suas experiências
na “cidade grande”, ainda que algumas vezes de forma repetida (risos...), mas
enfim, foram válidas; o fato é que em decorrência da influência dessas
histórias, desenvolvi alguns sonhos que com o passar do tempo se tornaram metas
pessoais, tais como, conhecer a cidade grande, viajar de avião, viajar de trem,
morar em um apartamento em um prédio de 12 andares, andar de elevador, conhecer
um shopping center e andar de escadas rolantes, conhecer o mar, andar na areia
da praia, dentre outros. Em contrapartida, como mencionei acima, houve uma situação
que me marcou negativamente, ou seja, tanto meu avô quanto meu irmão adoravam
me contar histórias que podemos aqui chamar de lendas e mitos regionais, tais
como, “lobisomem”, “mula-sem-cabeça”, “encruzilhadas com pessoas falecidas e
presas no tempo”, dentre outras tristes e dramáticas; em decorrência disso, percebi
que os medos e suspenses oriundos destas narrativas me acompanharam ao longo da
vida e algumas delas me traumatizaram, como por exemplo, não costumo me sentir
bem quando tenho que participar de um funeral de quem quer que seja, assim
como, permanecer em ambientes escuros, etc.
Bom, de certa forma fica claro para
mim com base nas minhas experiências, a importância do uso da imaginação
principalmente quando se trata daquelas oriundas das narrativas de todas as
formas, sejam elas contadas por uma pessoa, por um jornal, um livro, ao vivo,
no rádio ou na tv. As narrativas têm seu valor e assim como em todos os
aspectos da vida, se faz necessário o devido uso e a adesão da
responsabilidade, sabendo que tudo o que se narra alcançará um canal condutor e
um receptor e naturalmente exercerá influencia e consequentemente se plantará
uma semente.
A minha filha de 4 anos de idade,
assim como eu possui grande disposição para ouvir, ela ama ouvir histórias
todos os dias, tanto pela manhã como antes de dormir, em minha casa é uma regra
pelo menos duas vezes por dia sentarmos e contarmos histórias bíblicas e da
literatura para ela, eu e minha esposa nos reversamos nesta tarefa. Mas percebo
que há uma inclinação muito forte da minha pequena filha para as questões que
envolve TV e Smartphone, e creio que grande parte desta inclinação é em decorrência
da nossa influencia como pais que consumimos estes produtos em sua presença. A experiência
que posso contar sobre este contexto se deu no início deste semestre, ou seja, todos
os dias tenho que levar e pegar minha filha na escola e nos momentos em que
tenho que retornávamos para nossa casa, ocorria que eu entregava meu smartphone
para ela vir assistindo, e assim eu conseguia fazer com que ela ficasse
tranquila na cadeirinha do carro e não teria certo stress no trajeto, com isso,
podia ouvir uma música tranquilo e chegar bem para o almoço. Ocorre que com o
passar dos dias percebemos que nossa filha ficou viciada com os conteúdos oriundos
da internet e seu comportamento também mudou, infelizmente foi uma mudança
negativa, seu vocabulário ganhou novas palavras até então desconhecidas da
gente, enfim, a experiência não foi muito positiva, tivemos que intervir e isso
gerou um certo desgaste; a partir daí elaboramos um plano de desconstrução do
que foi desenvolvido negativamente pelo contato com as narrativas oriundas da
internet no smartphone e na tv, organizamos melhor o tempo de consumo da internet
dela e selecionamos melhor as categorias de conteúdo, assim como, passamos a
estar 100% presentes nestes momentos de interação. Hoje ela não mais retorna
para casa comigo da escola com o smartphone na mão, sempre voltamos conversando
sobre o que ocorreu na escola e sobre algumas questões da nossa realidade
familiar, com isso foi possível contornar o problema.
Por fim, concluo afirmando que as
narrativas possuem grande poder de influência, o advento e inclusão das imagens
demandaram um certo empobrecimento das mesmas e deram origem a uma maior
degradação da sua influência para quem a recebe. Por outro lado, uma vez que
seja bem canalizado e haja acompanhamento, tem potencial substancial para ser
agregador a cultura e a vida como um todo. A modernidade é importante no
contexto da emancipação humana, o homem deve acompanhar o progresso técnico sem
que necessariamente abandone as práticas fundantes que nos tornam cidadãos
civilizados. O progresso técnico e cientifico deve potencializar nossas
relações sociais, não devemos nos deixar cegar diante das novidades e
possibilidades engendradas por tal progresso, muito pelo contrário, é preciso
manter a ética e reconduzir o que está tomando rumos morais e sociais
insustentáveis. Ao mesmo tempo que os aspectos tecnológicos não devem suprimir
os elementos essenciais da narrativa, este deveria ser agregado ao processo de
modernização da emancipação humana, falo de um processo de complementação e não
de divisão e supressão daquilo que é agregador e foi positivo na trajetória
humana até hoje.

Pois é Glauber, a mediação do adulto é fundamental, sempre, para que as crianças possam conhecer o mundo - presencial e virtual - de forma crítica e consciente, sem se deixar levar na corrente do discurso que seduz e que tem intencionalidades específicas (de consumo, de ideologias, de valores...). Precisamos ser pais e professores atentos!
ResponderExcluirÉ um tremendo de um desafio tudo isso professora. Faz todo sentido sua colocação!
ExcluirOi,Glauber!
ResponderExcluirÉ raro os pais terem o esse discernimento que você traz. Geralmente os pais dão celulares aos seus filhos, que acabam não recebendo a atenção devida porque " não tem tempo", e no final das contas são responsabilizados por estarem a todo tempo conectados. Não se dão que tem responsabilidade pelo o que acontece.
Bem legal sua reflexão!
Abs!
É nobre amiga, não é fácil... É tudo muito sutil e a linha que separa um detalhe do outro é muito tênue!
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