segunda-feira, 8 de abril de 2019

REFLEXÃO: Narrativa e temporalidade na cultura midiática



Fonte: FOLLAIN, Vera. Narrativa e temporalidade na cultura midiática. Tríade, Sorocaba, SP, v. 5, n. 9, p. 128-139, jun. 2017.



Quando criança, lembro de que gostava de ouvir histórias de todos os tipos narradas pelo meu avô e pelo meu irmão mais velho. Recordo-me que sempre tive uma pré-disposição para o ouvir, até hoje percebo que muito me satisfaz ouvir o que as pessoas têm a dizer, independente do que seja, percebo que é como um dom natural que recebi da Deus. A minha imaginação fluía e flui com as histórias narradas; costumava viajar além-mar, cruzar fronteiras, me imaginar em lugares distintos, criar imagens de pessoas, animais, lugares e objetos com muita facilidade e agilidade.

Algumas histórias me marcaram nesta aventura da imaginação proporcionada pelas narrativas do meu avô Manuel Araujo (falecido em 2017, aos 92 anos) e do meu irmão Nadson Cassiano (irmão mais velho). Sou um cidadão de origem humilde, simples, um homem do campo, toda minha familia veio do campo, tanto meu avô, assim como, meu irmão mais velho tiveram a oportunidade de visitar a “cidade grande”, por necessidades médicas e pessoais de ordem profissional; sempre quando possível ambos gostavam de me narrar suas experiências na “cidade grande”, ainda que algumas vezes de forma repetida (risos...), mas enfim, foram válidas; o fato é que em decorrência da influência dessas histórias, desenvolvi alguns sonhos que com o passar do tempo se tornaram metas pessoais, tais como, conhecer a cidade grande, viajar de avião, viajar de trem, morar em um apartamento em um prédio de 12 andares, andar de elevador, conhecer um shopping center e andar de escadas rolantes, conhecer o mar, andar na areia da praia, dentre outros. Em contrapartida, como mencionei acima, houve uma situação que me marcou negativamente, ou seja, tanto meu avô quanto meu irmão adoravam me contar histórias que podemos aqui chamar de lendas e mitos regionais, tais como, “lobisomem”, “mula-sem-cabeça”, “encruzilhadas com pessoas falecidas e presas no tempo”, dentre outras tristes e dramáticas; em decorrência disso, percebi que os medos e suspenses oriundos destas narrativas me acompanharam ao longo da vida e algumas delas me traumatizaram, como por exemplo, não costumo me sentir bem quando tenho que participar de um funeral de quem quer que seja, assim como, permanecer em ambientes escuros, etc.

Bom, de certa forma fica claro para mim com base nas minhas experiências, a importância do uso da imaginação principalmente quando se trata daquelas oriundas das narrativas de todas as formas, sejam elas contadas por uma pessoa, por um jornal, um livro, ao vivo, no rádio ou na tv. As narrativas têm seu valor e assim como em todos os aspectos da vida, se faz necessário o devido uso e a adesão da responsabilidade, sabendo que tudo o que se narra alcançará um canal condutor e um receptor e naturalmente exercerá influencia e consequentemente se plantará uma semente.

A minha filha de 4 anos de idade, assim como eu possui grande disposição para ouvir, ela ama ouvir histórias todos os dias, tanto pela manhã como antes de dormir, em minha casa é uma regra pelo menos duas vezes por dia sentarmos e contarmos histórias bíblicas e da literatura para ela, eu e minha esposa nos reversamos nesta tarefa. Mas percebo que há uma inclinação muito forte da minha pequena filha para as questões que envolve TV e Smartphone, e creio que grande parte desta inclinação é em decorrência da nossa influencia como pais que consumimos estes produtos em sua presença. A experiência que posso contar sobre este contexto se deu no início deste semestre, ou seja, todos os dias tenho que levar e pegar minha filha na escola e nos momentos em que tenho que retornávamos para nossa casa, ocorria que eu entregava meu smartphone para ela vir assistindo, e assim eu conseguia fazer com que ela ficasse tranquila na cadeirinha do carro e não teria certo stress no trajeto, com isso, podia ouvir uma música tranquilo e chegar bem para o almoço. Ocorre que com o passar dos dias percebemos que nossa filha ficou viciada com os conteúdos oriundos da internet e seu comportamento também mudou, infelizmente foi uma mudança negativa, seu vocabulário ganhou novas palavras até então desconhecidas da gente, enfim, a experiência não foi muito positiva, tivemos que intervir e isso gerou um certo desgaste; a partir daí elaboramos um plano de desconstrução do que foi desenvolvido negativamente pelo contato com as narrativas oriundas da internet no smartphone e na tv, organizamos melhor o tempo de consumo da internet dela e selecionamos melhor as categorias de conteúdo, assim como, passamos a estar 100% presentes nestes momentos de interação. Hoje ela não mais retorna para casa comigo da escola com o smartphone na mão, sempre voltamos conversando sobre o que ocorreu na escola e sobre algumas questões da nossa realidade familiar, com isso foi possível contornar o problema.

Por fim, concluo afirmando que as narrativas possuem grande poder de influência, o advento e inclusão das imagens demandaram um certo empobrecimento das mesmas e deram origem a uma maior degradação da sua influência para quem a recebe. Por outro lado, uma vez que seja bem canalizado e haja acompanhamento, tem potencial substancial para ser agregador a cultura e a vida como um todo. A modernidade é importante no contexto da emancipação humana, o homem deve acompanhar o progresso técnico sem que necessariamente abandone as práticas fundantes que nos tornam cidadãos civilizados. O progresso técnico e cientifico deve potencializar nossas relações sociais, não devemos nos deixar cegar diante das novidades e possibilidades engendradas por tal progresso, muito pelo contrário, é preciso manter a ética e reconduzir o que está tomando rumos morais e sociais insustentáveis. Ao mesmo tempo que os aspectos tecnológicos não devem suprimir os elementos essenciais da narrativa, este deveria ser agregado ao processo de modernização da emancipação humana, falo de um processo de complementação e não de divisão e supressão daquilo que é agregador e foi positivo na trajetória humana até hoje.  

4 comentários:

  1. Pois é Glauber, a mediação do adulto é fundamental, sempre, para que as crianças possam conhecer o mundo - presencial e virtual - de forma crítica e consciente, sem se deixar levar na corrente do discurso que seduz e que tem intencionalidades específicas (de consumo, de ideologias, de valores...). Precisamos ser pais e professores atentos!

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    1. É um tremendo de um desafio tudo isso professora. Faz todo sentido sua colocação!

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  2. Oi,Glauber!
    É raro os pais terem o esse discernimento que você traz. Geralmente os pais dão celulares aos seus filhos, que acabam não recebendo a atenção devida porque " não tem tempo", e no final das contas são responsabilizados por estarem a todo tempo conectados. Não se dão que tem responsabilidade pelo o que acontece.
    Bem legal sua reflexão!
    Abs!

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  3. É nobre amiga, não é fácil... É tudo muito sutil e a linha que separa um detalhe do outro é muito tênue!

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